domingo, 9 de janeiro de 2011

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Quando se olharam pela última vez nos olhos alguma coisa dentro dela disse que para que um novo encontro acontecesse isso levaria tempo.
Sentiu uma certeza, que quis duvidar, de que aquela conversa, como muitas outras que tiveram, descontraída e descompromissada, era uma despedida e
na hora de ir embora beijou-o. Colou seus lábios nos dele durante longos segundos e o beijo foi dolorido. Ela sabia que seria o último.
Saiu do carro e ficou repassando tudo o que haviam conversado. Tudo o que ele havia lhe dito. Repassou cada palavra, cada olhar, cada toque e intonação.
Fazia isso numa tentativa desesperada de registrar tudo o que tinha acabado de acontecer. Uma maneira de guardar tudo na memória exatamente como ocorreu.
Infelizmente sua memória já a traía e as lembranças se confundiam.
Sabia que estava pisando num terreno delicado. Abrir-se pra alguém não é um ato simples e muito menos simplório.
Com ele o caso não foi simplesmente de abrir-se. Desarmou-se por completo diante dele. Despiu-se de defesas.
Foi intensa, porém, leviana. Ainda não sei se foi um ato corajoso ou irresponsável. Mas estava, de fato, entregue.
Bocas ansiosas repetem como num mantra que a entrega e a crença são virtudes admiráveis,
mas sua mente desnorteada não pode considerar essas qualidades vantajosas para si.
Quando conversava com ele olhava-o dentro dos olhos como quem olha dentro da alma de alguém.
Absorvia-o numa doce rendição e esquecia filtros, armaduras ou suportes.
Aquilo parecia bastar. Sentia-se junto dele.
Toda aquela transmissão sustentava por trás dos olhos e na ponta da língua um pedido tolo e tímido: "Apenas não minta pra mim."
Se ele realizasse esse único desejo sentia que nada mais teria tanta importância. Qualquer coisa seria contornável.
Nunca deixou que seu pedido saísse de sua boca, mas pensava que ele compreenderia sua necessidade de ser sincera e de ouvir sinceridades.
Olhava-o e as palavras flutuavam na sua cabeça, passando pelos seus olhos como um letreiro: "Apenas não minta pra mim."
Era absolutamente verdadeira e seu pecado foi esperar que o que vinha dela viria do outro lado como numa via de mão-dupla.
Provavelmente foi aí que sua entrega deixou de ser corajosa e passou a ser uma negligência de si.
Pois amar sempre foi um ato que não requer absolutamente nada. É belo por si só. Mesmo só, é belo. É belo e só.
Mas abandonar-se frente a um amor não é uma atitude inteligente. A beleza esfria, ganhando contornos mais rigidos e coloração mais sóbria.
Deixou que o tempo fosse lhe passando a perna dia após dia, numa espera eterna.
Acreditando no que sua memória cruel lhe cedia: Vagas lembranças de raros momentos.
Acima de toda e qualquer recordação o que mantinha viva a vontade de arrastar os dias na esperança de que seu barco encontrasse terra firma era a vontade de querer bem.
O desejo de estar por perto. Era o carinho, a confiança dedicada. Era fechar os olhos e pular, sabendo que uma mão a seguraria.
Era sorrir por dentro ao saber dele, mesmo que não fosse por ele.
Era catar a concha mais bonita da praia para dar de presente, quando na verdade gostaria de dar um sorriso.
Era poder, apenas, dar as mãos.
O que aconteceu foi o despedaçar da flor. Foi o salto não sucedido da mão para poupar a queda.
Foi saber dele sempre de longe. Foi dar o sorriso e ouvir o silêncio.
Será que se tivesse feito seu pedido em voz alta alguma coisa teria mudado?
Será que o golpe teria sido ao menos mais gentil?
Deixou as lágrimas rolarem pelos olhos. Uma seguida da outra levando cada uma um pedacinho de sofrimento. Foram brotando e despencando do precipício.
No final sentiu-se vazia por dentro. Seca. Sentiu o nó na garganta e forçou o choro pra ver se havia ainda alguma coisa. Nada.
Então percebeu que faltava um pouco de delicadeza em todo esse ritual de tristeza e, por fim, amou-se.
Colocou uma música, deitou-se no chão fresco e ficou sentindo as batidas do seu próprio coração. Sentindo seu ventre subir e descer num movimento livre.
Foi sentindo-se cada vez mais fiel a ela mesma.
Entendendo a importância do momento fechou os olhos e ficou só consigo e ficou feliz por ter se achado num momento em que quase se perdeu.

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