sábado, 27 de novembro de 2010

Céu e Mar

O que divide o mar do céu é uma linha, que vivo tentando andar sobre.
Mas o que acontece é que ninguém consegue andar sobre as águas.
Tampouco, quando viro de cabeça pra baixo, consigo andar sobre o céu.
O fio divide os azuis hora de forma precisa, hora de forma difusa.
Todos os dias os meus passos são conflitantes. Vou me equilibrando, tentando enganar a gravidade, mas ela é sempre mais esperta do que eu.
Me puxa pelo pé, suspenso no ar.
Às vezes caio dentro d'água e me afogo no oceano. Outras vezes mergulho para dentro do firmamento e vou subindo como um balão de oxigênio.
Quando os meus olhos se abriram, e tudo estava azul, pude ver.
Vi com os olhos de quem só queria enxergar o azul, mas tinha um pequeno borrão no meio.
É dificil entender quando nos traímos mais. Se são os olhos que atrapalham, ou se é o músculo pulsante de dentro do peito que turva a visão.
Talvez eu possa ser honesta comigo e, pelo menos me perguntar, onde foi que me traí?
Foram os olhos. Foi a mancha no tecido azul. Foi o céu que me acolheu, suave e envolvente. Foi o mar que me sufocou, doce e ardente.
Todas as vezes que caio no mar ou no céu viro água. Viro ar. Me dissolvo.
Sou delicadamente absorvida, até que não exista mais diferença entre o que é sólido e o que só se pode sentir.
A grande delícia está nos momentos em que fui surpreendida pela força que não me deixa ser equilibrista e andar sobre um fio.
Dessa vez, quando caí, não sei bem se céu ou mar. Abri os olhos para me orientar. E, sem medo de me cegar, procurei pelo sol.
A manchinha escura se revelou, não sei se nos olhos ou dentro do peito, quando tentei voltar para o fio.
Ficou no meio da garganta, ou no meio da cabeça.
Outro sobressalto.
Entendi que não importava se era céu ou mar. Era aquilo.
Me acolheu, me envolveu, me beijou o rosto e fechei os olhos.
Não sei o que houve com o borrão. E nem comigo, toda azul.

3 comentários:

  1. Cara, não consigo não gostar das suas palavras... Essa forma envolvente que você tem de escrever. É lindo, não posso deixar de apreciar como um quadro na parede, pensando se um dia alcanso a maestria do poeta que há em cada linha do que você escreve!

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  2. "impossível deixar de notar o entrelaçar das prosas", não é?
    ainda bem que há dificuldade em andar no fio. mergulhar ou voar é sempre melhor, pelo menos ao ver daqueles que, como você, sabem sentir. Isso mesmo, "sentir", em sua forma mais intransitiva de ser.
    seja no mar, seja no céu, tomara que haja sempre conforto. o azul - temporariamente manchado - assim deseja e, assim, vai semrpe desejar.
    "É dificil entender quando nos traímos mais. Se são os olhos que atrapalham, ou se é o músculo pulsante de dentro do peito que turva a visão."
    é difícil mesmo. mas que seja... afinal, o azul foi e quer ainda ser doce e ardente, suave e envolvente; mesmo ainda com o borrão, o azul nunca traiu sua emoção.
    Reis.

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