segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sintonizados

Ele adentra a sala, límpido.
Fala, observa. Os olhos atentos. As palavras precisas (às vezes nem tanto).
Circula o ambiente.
Ela já estava lá dentro quando ele entrou.
Também observa muito. Fala menos. As palavras menos precisas. Quase perdidas.
Ele fica atento e ouve ela falar. As palavras vão se perdendo, mas ele consegue recuperá-las.
Ela, muito agitada, quer falar de tudo de repente, quer pensar em tudo, quer fazer tudo e viver de tudo.
Ele acompanha os loopings daquela conversa sem sentido. Riem. Não sei se sabem de que, mas se entendem.
Ela derrama sobre ele algumas lágrimas e ele se comove. Não sabe mais se ela está feliz ou não. Tenta animá-la fazendo graça, e ela retriubui sorrindo.
Ele quer mais e sobe na cadeira. Faz um discuro, planta bananeira. Ela bate palmas e se diverte com o espetáculo.
Animado, ele sobe as escadas, corre e faz um circo para ela, que vibra.
Em meio a rodopios, escorrega e cai. Batendo com força no chão. Os dois param: a respiração dele e o coração dela.
A magia do memento se desfaz, como uma música parada no meio de um acorde.
Ela deita ao lado dele, fecha os olhos e lembra de Sheakspeare.
Deixa mais lágrimas rolarem. Ele abre os olhos, mas não revela o segredo. Continua silencioso sentindo um pouco do calor daquele sofrimento.
Depois sente pena dela e entrega o mistério, sorrindo com os olhos.
Ela fala um monte de palavras pouco precisas e ele vai recolhendo carinhosamente e arrumando-as.
Deitam-se lado a lado, fecham os olhos e escutam o pensamento um do outro. Atentos um ao outro. Cada vez menos precisos, cada vez mais conectados.

domingo, 26 de setembro de 2010

Pormenores

Talvez nenhum dos dois tivesse um objetivo. Em comum, não o tinham, mas talvez nem propositos opostos.
Caminhavam.
O relógico carregava todo o peso dos seus ponteiros para arrastar os minutos, enquanto o tempo do lado de fora corria com suas pernas compridas e ágeis.
No longo intervalo entre um número e outro de minuto que passava, uma corrente de acontecimentos se preparava para acontecer. Um efeito dominó.
Cruzaram-se.
Nesse momento uma nuvem de pássaros sobrevoa as suas cabeças, cobrindo o sol e fazendo uma enorme sombra. Atordoados, juntos aos milhares de pedestres,
olham para o céu procurando pela luz. Veem que o dia virou noite. Os dois olham seus relógios e percebem os ponteiros parados.
Ela deve ter uns 20 anos. Entra em uma cafeteria para esperar o eclipse passar. Não avisaram nada na metereologia.
Ele entra na cafeteria logo em seguida. Pede um café e vai se sentar próximo à porta. Sentam-se ao lado um do outro, por acaso.
Ela pede um café. Pegam as xícaras juntos, bebem juntos, colocam as xícaras no balcão. Suspiram juntos. Esperam a passagem do eclipse juntos.
Ainda não se viram e nem trocaram nenhuma palavra. Será que vão conseguir perceber o fio que unia um ao outro naquele momento?
Um fio tão invisível como o de uma teia de aranha.
Pediram a conta juntos, sem notar. Pagaram ao mesmo tempo, cada um para um balconista.
Levantou-se ela. Levantou-se ele. Andaram até a porta. O eclipse já estava passando.
Olharam ao mesmo tempo para os seus relógios, ainda parados.
Quando o primeiro raio de luz do sol consegui ultrapassar a penumbra, pode-se ver o bater das asas do último pássaro que cruzara o céu e fizera do dia noite.
Ninguém percebeu que eram pássaros. Todas as pessoas acreditaram que era apenas um eclipse.
Ela viu o último bater de asas. Ele ouviu o último farfalhar das penas. Na hora de sair pela porta do café, esbarram-se e notaram-se pela primeira vez.
Ela se desculpou rapidamente, ele também e depois saíram. Cada um foi para um lado. Olharam seus relógios e os ponteiros tinham voltado a se arrastar.
Aqueles pássaros eram momentos. Eram segundos, minutos, horas, dias, anos, séculos congelados.
Eles eram o tempo. No momento em que a revoada de pássaros cruzou a cidade, o tempo congelou para que mais momentos únicos pudessem ficar registrados.
Muitos podem pensar que esse milagre que não costuma acontecer sempre foi um desperdicio para eles dois. Estavam lado a lado, mas não conseguiram agarrar aquele momento.
Mas de alguma maneira, o momento agarrou os dois. O fio da teia de aranha, quase inivisível e extremamente resistente já tinha feito o seu trabalho.
Eles não sabiam, mas estavam presos. Se encontrariam de novo e, talvez, o tempo parasse mais uma vez para eles.
Enquanto o tempo corre com suas pernas esguias muitos momentos nos dão a chance de se congelarem. Ficarem cristalizados na nossa memória.
Momentos, pessoas, sentimentos e pássaros que às vezes fazem nossos ponteiros parar.
Muitas vezes não nos damos conta do encatamento. Outras vezes podemos ver ou ouvir o último farfalhar das asas.