domingo, 26 de setembro de 2010

Pormenores

Talvez nenhum dos dois tivesse um objetivo. Em comum, não o tinham, mas talvez nem propositos opostos.
Caminhavam.
O relógico carregava todo o peso dos seus ponteiros para arrastar os minutos, enquanto o tempo do lado de fora corria com suas pernas compridas e ágeis.
No longo intervalo entre um número e outro de minuto que passava, uma corrente de acontecimentos se preparava para acontecer. Um efeito dominó.
Cruzaram-se.
Nesse momento uma nuvem de pássaros sobrevoa as suas cabeças, cobrindo o sol e fazendo uma enorme sombra. Atordoados, juntos aos milhares de pedestres,
olham para o céu procurando pela luz. Veem que o dia virou noite. Os dois olham seus relógios e percebem os ponteiros parados.
Ela deve ter uns 20 anos. Entra em uma cafeteria para esperar o eclipse passar. Não avisaram nada na metereologia.
Ele entra na cafeteria logo em seguida. Pede um café e vai se sentar próximo à porta. Sentam-se ao lado um do outro, por acaso.
Ela pede um café. Pegam as xícaras juntos, bebem juntos, colocam as xícaras no balcão. Suspiram juntos. Esperam a passagem do eclipse juntos.
Ainda não se viram e nem trocaram nenhuma palavra. Será que vão conseguir perceber o fio que unia um ao outro naquele momento?
Um fio tão invisível como o de uma teia de aranha.
Pediram a conta juntos, sem notar. Pagaram ao mesmo tempo, cada um para um balconista.
Levantou-se ela. Levantou-se ele. Andaram até a porta. O eclipse já estava passando.
Olharam ao mesmo tempo para os seus relógios, ainda parados.
Quando o primeiro raio de luz do sol consegui ultrapassar a penumbra, pode-se ver o bater das asas do último pássaro que cruzara o céu e fizera do dia noite.
Ninguém percebeu que eram pássaros. Todas as pessoas acreditaram que era apenas um eclipse.
Ela viu o último bater de asas. Ele ouviu o último farfalhar das penas. Na hora de sair pela porta do café, esbarram-se e notaram-se pela primeira vez.
Ela se desculpou rapidamente, ele também e depois saíram. Cada um foi para um lado. Olharam seus relógios e os ponteiros tinham voltado a se arrastar.
Aqueles pássaros eram momentos. Eram segundos, minutos, horas, dias, anos, séculos congelados.
Eles eram o tempo. No momento em que a revoada de pássaros cruzou a cidade, o tempo congelou para que mais momentos únicos pudessem ficar registrados.
Muitos podem pensar que esse milagre que não costuma acontecer sempre foi um desperdicio para eles dois. Estavam lado a lado, mas não conseguiram agarrar aquele momento.
Mas de alguma maneira, o momento agarrou os dois. O fio da teia de aranha, quase inivisível e extremamente resistente já tinha feito o seu trabalho.
Eles não sabiam, mas estavam presos. Se encontrariam de novo e, talvez, o tempo parasse mais uma vez para eles.
Enquanto o tempo corre com suas pernas esguias muitos momentos nos dão a chance de se congelarem. Ficarem cristalizados na nossa memória.
Momentos, pessoas, sentimentos e pássaros que às vezes fazem nossos ponteiros parar.
Muitas vezes não nos damos conta do encatamento. Outras vezes podemos ver ou ouvir o último farfalhar das asas.

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