quinta-feira, 31 de março de 2011

Quietude nociva

Muito se fala e tudo se cala.
Sou palavras abertas para você se expressar, mas insistes em usar o dicionário.
Há, entre, muitos parêntesis.
Há, além, muito pendente.
O que se há de fazer com essas reticências no meu colo
ou com esse silêncio em minhas mãos?

quinta-feira, 17 de março de 2011

Respirei, mas foi rápido demais...

Quando deitou-se na cama aninhou-se como um filhote de cachorro no ventre da mãe. Sentia frio, apesar do clima ser quente.
Fixou os olhos na parede branca do quarto e tentou lembrar-se do rosto dele. Sentia um nó na garganta enquanto tentava relembrar cada traço.
Cada ruga de expressão, cada contorno, a cor dos olhos, a textura dos cabelos e da pele. Tentou recuperar o cheiro em suas narinas. Mas era um trabalho árduo e ela sentia que exigiria um esforço muito grande.
Era verdade que ele estava presente em sua memória todos os dias.
Pelo menos uma vez entre o nascer e o morrer do sol a imagem dele projetava-se em sua mente como num filme. As aparições variavam.
Às vezes eram lembranças fulgazes, às vezes eram questionamentos sobre por onde ele andaria, o que estaria fazendo. Às vezes eram pensamentos atormentadores,
como se ele estivesse esquecido o rosto dela, não se lembrasse mais do timbre da sua voz ou da cor dos seus olhos. Se ele a confundia com outros olhos ou outras vozes.
Outras vezes a presença dele se fazia de maneira injusta, pois ela não podia se defender da maneira como ele aparecia.
Vinha visitá-la em sonhos. Chegava manso, como o azul do céu. Afagava-lhe os cabelos, a acolhia junto ao peito.
Seu coração disparava e ela acordava com lágrimas escorrendo timidamente pelo canto dos olhos.
Conheceu outros abraços, outros sorrisos, mas seu caminhar, ultimamente, parecia descompassado. Estava fora do ritmo. A música tocava, mas ela nao conseguia dançar.
Olhava para esses novos olhos, olhava-os bem profundamente, mas eles mudavam de formato, lentamente. Mudavam de cor.
Transformavam-se naqueles olhos castanhos, conhecidos de outros tempos.
Aqueles olhos que a reconheciam depois da ausência longa.
Estranhamente agora, deitada em sua cama, não conseguia lembrar-se daqueles olhos. Sua mente parecia confusa e ela sentiu, de repente, um buraco no estômago.
Sentiu um vazio por dentro que fez com que se encolhesse ainda mais. Parecia agora com um caroço de feijão.
Sua cabeça pensava, mas pensava coisas sem cadência alguma.
As coisas engraçadas já não pareciam tão divertidas assim. Os segredos não pareciam mais tão secretos. Os desejos não eram tão intensos.
Não sabia em que momento essas coisas haviam escapado dela. Quando foi que seus olhos perderam esses detalhes?
Lembrou-se do que Jan lhe contara sobre as repetições e sobre a fronteira que existe no homem, presente desde que abrimos os olhos para luz.
A repetição que torna-se visível num momento em que a fronteira que divide a doce melodia da vida do silêncio pesado se revela.
Como poderia escrever se suas palavras se repetiam incansávelmente? Seus versos soavam como ladainhas. Não tinha o frescor das idéias novas. Perdera-o no caminho.
Caira de sua cabeça enquanto ela se movia de maneira desengonçada, tentando dançar uma música dissonante. Uma dança rápida demais para ela.
Tentou acompanhar, descolou-se velozmente, mas havia um descompasso. Ela não entendia o que a música dizia e tentava dançá-la com movimentos ridículos.
Hoje, quando deitou-se na cama, sentiu-se cansada. Sentia que não podia mais lutar para entrar nessa dança.
Sentia-se esgotada de deslocar-se tentando acompanhar algo que não fazia parte dela.
Ela debatera-se como quem tenta chegar ao outro lado do oceano, mas morrera na praia.
E agora não sabia no que se apegar. As ondas iam e vinham num movimento repetitivo. Batiam na sua cabeça e ela ficava irritada com aqueles intervalos cronometrados.
Olhava suas poesias e sentia raiva delas. Queria rasgá-las, todas. Eram sempre as mesmas. Tratavam sempre do mesmo tema.
Mirava-se no espelho e sua imagem parecia desgastada. Quase desbotada.
Uma melancolia imensa invadia o quarto como a água da chuva que entrava pelas frestas das portas e janelas.
Foi inundando seu quarto lentamente, tornando tudo cada vez mais silencioso e azul. Deixando aquele ambiente mais suave e azul.
Até que a água chegou ao teto e ela flutuou como um astronauta no espaço, com movimentos absurdamente lentos.
Ela sentia cada movimento do seu corpo e cada palpitação do seu peito. Consciente de cada músculo. Sua mente completamente esvaziada.
Creio que todos os pensamentos saíram pelos seus olhos, ouvidos, boca e narinas conforme a água entrava, afogando-a.
Aquele ritmo era rápido demais para ela. Não bastava sentir seu corpo. Ela precisava sentir por dentro.
Agora ela flutuava muito lentamente e, se sua mente não estivesse completamente esvaziada, tenho certeza de que poderia compreender perfeitamente a melodia que tocava.

domingo, 6 de março de 2011

Uma noite

Ela usava um vestido preto. Mas ele não durou nem a primeira hora no seu corpo.
Entraram na casa e foram conhecendo o ambiente. Uma sala muito ampla e arejada composta por um sofá, uma mesa de centro com milhares de fotos espalhadas, de família.
Ele juntou todas para abrir espaço e fazer uma entrada para os dois. Uma mesa de queijos e vinhos, quem sabe. Eles, obviamente, não comeram os queijos. O vinho, sim. Beberam inteiro.
As mãos dele lhe arrancaram o vestido com uma violência gentil. Quase que pedindo desculpas pelo gesto. As mãos dela se livraram da camisa dele.
E aquele gestual tinha uma cadência poética. Um ritmo que não era lento, mas que vinha de outros tempos.
As roupas não levaram 5 minutos para serem tiradas, mas aquele movimento já havia começado há anos.
Ele havia tentado tirar não uma peça de sua roupa, mas uma camada de sua superfície. Havia tentado estar mais próximo dela, mas sentia que ela era como uma cebola.
Quantos mais camadas lhe retirasse mais outras surgiam, como num livro onde ele arrancava as páginas e sempre encontrava outra em seguida.
Fazia aquilo num movimento compulsório e esgotante. Até que um dia sentiu que já não podia mais fracassar e acabou por se render ao cansaço.
Quando marcaram o encontro, mesmo com a experiência firme em sua carne, sua alma lhe soprava uma brisa de esperança de que talvez pudesse enfim chegar ao miolo daquele ser.
Uma expectativa tímida e camuflada lhe despertavam.
Subiram as escadas com pressa.
Ele a tomou nos braços, como há muito tempo desejava fazer e ela se deixou levar.
Chegaram no quarto, ele a jogou na cama e ela o mirou com aqueles olhos que ele nunca soube decifrar por mais que tentasse com um esforço de quem carrega tonaladas nas costas.
Deixou todo o peso do seu corpo (agregado àquelas toneladas) cair sobre o corpo dela como se isso pudesse fazê-la senitr na pele um pouco daquela angustia suprimida.
Tentando fazê-la pagar por isso, esmagando-a. Ela fechou os olhos e sorriu com um prazer sincero.
Foram se beijando, acariciando, lambendo, apertando, expremendo, chupando. Tudo isso intercalando violência e brandura.
Ele tocava-lhe o sexo e olhava o rosto dela para ver as expressões que poderiam florescer.
Sentia seu corpo fervendo, mas tinha toda a sua concentração voltada para o que ela sentia.
Queria absorver todos os nuances daqueles olhares. Cada franzir do entrecenho. Cada estremecer dos lábios. Cada suspiro.
Fixava seus olhos no rosto dela e as mãos entre as pernas e explorava aquele universo.
Queria descobrir seus pontos de maior prazer. Mas percebia que aqueles momentos de tesão eram efêmeros e se desfaziam com a mesma rapidez com que se formavam.
De vez enquando a surpreendia com os olhos vagando pelos cantos do teto do quarto e sentia que até na cama ela podia lhe escapar como uma mosca.
Apertava seu corpo contra o dela com tanta força que notava em seu rosto uma demonstração de dor. E algumas vezes sentia prazer com isso.
Era uma das coisas que podia fazê-la sentir de verdade.
Pelo menos uma dor física e não tão sofrida. Ele não queria fazê-la nenhum mal, mas, às vezes, era acometido por um desejo de vingar-se.
Ela havia o feito sofrer imensamente e ele seguia tentando imprimir nela algum tipo de sentimento.
Apertava, então, seu corpo contra o dela como se pudesse adentrar um pouco naquele universo paralelo que era ela.
Penetrava seu pênis no orifício como se fosse ele quem estivesse entrando no mundo dela.
Penetrava-a e a olhava muito. Queria olhá-la dentro dos olhos pra ver se essa entrada era permitida. Se era real. Mas os olhos dela fugiam dos dele e, quando se encontravam, era por segundos brevíssimos.
Tão breves que ele ficava na dúvida se realmente tinham existido ou se ele tinha imaginado que ela o olhava nos olhos.
Ele fazia sexo com ela tentando prolongar o máximo que podia aquele ato, para ver se era possível submetê-la ao cume da satisfação. Para vê-la explodir em gozo.
Terminou fracassando. Não pôde conter seu corpo e quando terminou e a abraçou sentiu vontade de chorar.
Ela o abraçou de volta, sem perceber aquela frustração.
Ficaram na cama, nus, durante horas, conversando. Levantavam vez ou outra pra beber mais um copo de vinho ou para ir ao banheiro.
Em um certo momento ela se calou e aquilo o inquietou de uma maneira incontrolável.
Queria saber o que se passava na cabeça dela a todo custo e não conseguiu se conter em perguntar o que a deixava muda.
Ela sorriu, docemente, como costumava fazer. Acaricou-lhe o rosto e ficou observando aqueles enormes olhos castanhos.
Ela não disse nada e aquilo foi ganhando proporções extraordinárias.
Ficou, de repente, extremamente cansado.
Soube, naquele momento, que a intimidade que tiveram naquele quarto era infinitamente menor do que a intimidade que poderiam ter se ela deixasse que ele soubesse o que se passava na mente dela.
Então se deu conta de que todo aquele esforço e esperança fresca que até então lhe soprava os ouvidos,
de que junto com cada peça de roupa que lhe tirava, arrancava junto um pedaço de resistencia dela, foi por água abaixo.
Poderia deixá-la completamente nua. Poderia introduzir seu sexo no dela por inteiro, que nunca conseguiria adentrar verdadeiramente aquele corpo.
Os olhos dela estariam sempre vagando por algum lugar do teto e o seu sorriso seria sempre doce e fulgaz.
Nesse momento sentiu uma onda de melancolia invadir o seu peito, enquanto ela passava os dedos pelo seu cabelo, distraidamente.
Depois ela levantou e disse que precisava ir embora. Recolheu suas roupas e beijou-o nos lábios.
"Pelo menos me ligue, quando chegar em casa.".
"Vou ligar!"
A porta se fechou e ele viu como o teto era próximo da cama. Como as paredes eram próximas da cama.
Os copos de vinho vazios, próximos da cama.
Ele adormeceu antes que ela pudesse ligar.