quinta-feira, 17 de março de 2011

Respirei, mas foi rápido demais...

Quando deitou-se na cama aninhou-se como um filhote de cachorro no ventre da mãe. Sentia frio, apesar do clima ser quente.
Fixou os olhos na parede branca do quarto e tentou lembrar-se do rosto dele. Sentia um nó na garganta enquanto tentava relembrar cada traço.
Cada ruga de expressão, cada contorno, a cor dos olhos, a textura dos cabelos e da pele. Tentou recuperar o cheiro em suas narinas. Mas era um trabalho árduo e ela sentia que exigiria um esforço muito grande.
Era verdade que ele estava presente em sua memória todos os dias.
Pelo menos uma vez entre o nascer e o morrer do sol a imagem dele projetava-se em sua mente como num filme. As aparições variavam.
Às vezes eram lembranças fulgazes, às vezes eram questionamentos sobre por onde ele andaria, o que estaria fazendo. Às vezes eram pensamentos atormentadores,
como se ele estivesse esquecido o rosto dela, não se lembrasse mais do timbre da sua voz ou da cor dos seus olhos. Se ele a confundia com outros olhos ou outras vozes.
Outras vezes a presença dele se fazia de maneira injusta, pois ela não podia se defender da maneira como ele aparecia.
Vinha visitá-la em sonhos. Chegava manso, como o azul do céu. Afagava-lhe os cabelos, a acolhia junto ao peito.
Seu coração disparava e ela acordava com lágrimas escorrendo timidamente pelo canto dos olhos.
Conheceu outros abraços, outros sorrisos, mas seu caminhar, ultimamente, parecia descompassado. Estava fora do ritmo. A música tocava, mas ela nao conseguia dançar.
Olhava para esses novos olhos, olhava-os bem profundamente, mas eles mudavam de formato, lentamente. Mudavam de cor.
Transformavam-se naqueles olhos castanhos, conhecidos de outros tempos.
Aqueles olhos que a reconheciam depois da ausência longa.
Estranhamente agora, deitada em sua cama, não conseguia lembrar-se daqueles olhos. Sua mente parecia confusa e ela sentiu, de repente, um buraco no estômago.
Sentiu um vazio por dentro que fez com que se encolhesse ainda mais. Parecia agora com um caroço de feijão.
Sua cabeça pensava, mas pensava coisas sem cadência alguma.
As coisas engraçadas já não pareciam tão divertidas assim. Os segredos não pareciam mais tão secretos. Os desejos não eram tão intensos.
Não sabia em que momento essas coisas haviam escapado dela. Quando foi que seus olhos perderam esses detalhes?
Lembrou-se do que Jan lhe contara sobre as repetições e sobre a fronteira que existe no homem, presente desde que abrimos os olhos para luz.
A repetição que torna-se visível num momento em que a fronteira que divide a doce melodia da vida do silêncio pesado se revela.
Como poderia escrever se suas palavras se repetiam incansávelmente? Seus versos soavam como ladainhas. Não tinha o frescor das idéias novas. Perdera-o no caminho.
Caira de sua cabeça enquanto ela se movia de maneira desengonçada, tentando dançar uma música dissonante. Uma dança rápida demais para ela.
Tentou acompanhar, descolou-se velozmente, mas havia um descompasso. Ela não entendia o que a música dizia e tentava dançá-la com movimentos ridículos.
Hoje, quando deitou-se na cama, sentiu-se cansada. Sentia que não podia mais lutar para entrar nessa dança.
Sentia-se esgotada de deslocar-se tentando acompanhar algo que não fazia parte dela.
Ela debatera-se como quem tenta chegar ao outro lado do oceano, mas morrera na praia.
E agora não sabia no que se apegar. As ondas iam e vinham num movimento repetitivo. Batiam na sua cabeça e ela ficava irritada com aqueles intervalos cronometrados.
Olhava suas poesias e sentia raiva delas. Queria rasgá-las, todas. Eram sempre as mesmas. Tratavam sempre do mesmo tema.
Mirava-se no espelho e sua imagem parecia desgastada. Quase desbotada.
Uma melancolia imensa invadia o quarto como a água da chuva que entrava pelas frestas das portas e janelas.
Foi inundando seu quarto lentamente, tornando tudo cada vez mais silencioso e azul. Deixando aquele ambiente mais suave e azul.
Até que a água chegou ao teto e ela flutuou como um astronauta no espaço, com movimentos absurdamente lentos.
Ela sentia cada movimento do seu corpo e cada palpitação do seu peito. Consciente de cada músculo. Sua mente completamente esvaziada.
Creio que todos os pensamentos saíram pelos seus olhos, ouvidos, boca e narinas conforme a água entrava, afogando-a.
Aquele ritmo era rápido demais para ela. Não bastava sentir seu corpo. Ela precisava sentir por dentro.
Agora ela flutuava muito lentamente e, se sua mente não estivesse completamente esvaziada, tenho certeza de que poderia compreender perfeitamente a melodia que tocava.

Um comentário:

  1. Que pena não conseguir se lembrar daqueles olhos... Desses, vou sempre lembrar.

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