terça-feira, 6 de setembro de 2011

Tempo

Os ponteiros do relógio jamais poderiam soar mais delicados do que o desabar de um martelo.O tempo passava arrastado, nesse planeta. Os segundos costumavam agarrar no fundo do relógio como pregos afiados que, conforme se moviam,abriam uma fissura, como um terremoto abre uma cratera na terra. Foi um período dificil para eles, que costumavam a andar lado a lado. Não havia nenhuma promessa. Não costumavam conversar muito e a troca de palavras que faziam se restringia a perguntar se sentiam alguma dor e se era possível continuar a caminhar. O que os mantinha unidos, de fato, era a caminhada. Nada mais. Por onde passavam deixavam uma certa curiosidade. Um desejo de se conhecer um pouco mais a respeito deles e dos passos por todos os cantos que haviam andado.Um dia resolveram correr. Foi algo acordado tacitamente. Bastou que um sentisse que os passos do outro começavam a se acelerar para que este acelerasse também os seus. E como numa tentativa de estar sempre lado a lado começaram a mover as pernas muito rapidamente e, quando perceberam, lançavam seus pés para frente como gazelas num imenso cerrado.O impacto dos pés no chão agora eram mais velozes do que os segundos que davam voltas no relógio. Seus passos eram mais rápidos do que o próprio tempo e conforme avaçavam sentiam que deixavam pelo caminho uma borra de passado, que descolava de seus calcanhares como um pouco de lama que tivesse grudado. Nesse momento eles não perteram ao planeta que tremia com o ressoar de cada badalada do relógio. Eles passavam pelo mundo e, nesse momento (como se fosse possível) tinham ainda menos relação com o universo. Faziam parte apenas da brisa que batia contra os rostos e balançava os cabelos. Eram como pequenos gravetos carregados por um pé de vento, dançando pelos ares. Seus músculos tornavam-se visivelmente mais rídidos, mas a sensação era de leveza absoluta. Quanto mais corriam mais sentiam que podiam correr por cada vez mais tempo. Achavam que poderiam flutuar durante um tempo indeterminável e que, um dia, poderiam não mais tocar o solo e apenas fazer movimentos para frente e para trás que, assim como as asas de um pássaro, os fariam alçar vôo. Se desprenderiam por completo dos delicados fios de lã que ainda prendiam seus corpos à terra.Se esses fios fossem rompidos poderiam subir como balões translúcidos. Como flores levadas pela correnteza de um rio de águas escuras. Esse tempo quase se tornou mais fácil para eles. Por breves momentos acreditaram que era possível atravessar o tempo sem que os ponteiros os antigisse com o peso de marretas.Nesses sopros de irrealidade olharam-se pelo canto dos olhos. Quase se viram. Nunca haviam se olhado de frente. Apenas sentiam a presença um do outro ao lado e às vezes trocavam algumas palavras. Não havia promessas.Seus cantos de olhos quase se cruzaram, mas talvez, se virassem as cabeças, descompassariam suas passadas e perderiam o ritmo.Acharam, por alguns instantes, que realmente haviam se visto. Mas não com certeza. Continuaram a correr e os segundos a abrirem crateras no chão em que mal tocavam com seus pés de pássaros.

3 comentários:

  1. Uau, gostei muito. Quero suas imagens nas minhas paredes.

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  2. Sempre construindo uma dimensão própria e delicada que envolve e nos transporta para outras realidades não percebidas! adorei!

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